Até julho de 1910, por não existir luz elétrica na cidade, os moradores colaboravam colocando lampiões, à noite, nos peitoris das janelas ou pendurados nas fachadas das casas. O objetivo era orientar os romeiros retardatários para que não perdessem a direção da Prainha, onde eram aguardados pelas embarcações que os levariam de volta à Capital.
Durante o dia o movimento era intenso, com os devotos subindo e descendo a “ladeira da penitência”, com setecentos e oitenta e cinco metros de extensão, até então a única via de acesso ao Santuário da Penha.
Algumas pessoas traziam alimentos de casa e faziam o seu repasto no Campinho do Convento, na parte sombreada pelas árvores. Outros se alimentavam nas pensões improvisadas pelos moradores da cidade.
Já nas primeiras horas da manhã, a enseada da Prainha ficava coalhada de embarcações fundeadas: canoas, lanchas, escunas e pequenos barcos de uma só vela ou a remos.
No largo da matriz, centenas de animais de montaria ficavam à sombra de castanheiras. Vinham do interior mais distante da cidade. O certo é que os devotos de Nossa Senhora nesse dia não podiam deixar de escalar o outeiro para visitá-la, formular milagres ou pagar promessas.
A partir de 1774, quando se fez a reforma da ladeira de pedras toscas, com a construção dos muros laterais, e se ergueu o portão ornamental, passaram os romeiros a ter acesso mais fácil ao topo da colina.
Nas duas semanas anteriores ao dia da padroeira, membros da sociedade local reunia-se com a presença e a orientação do capelão do Convento. Quase sempre as mesmas senhoras dos anos anteriores formavam a comissão organizadora dos festejos. O importante era demonstrar a hospitalidade dos vila-velhenses, possibilitando aos visitantes, de acordo com os recursos disponíveis da época, uma estada confortável. E não podia ser diferente visto que os romeiros, às vezes com grande sacrifício, mas radiantes de alegria, vinham de grandes distâncias para homenagear a padroeira dos capixabas. Portanto, mereciam ser bem recebidos.
A comissão mantinha contatos com famílias dispostas a fornecer refeições aos visitantes que não haviam trazido de casa o seu farnel e em algumas situações poderiam até oferecer abrigo aos que fossem forçados a pernoitar na cidade.
Competia também à comissão: limpeza da imagem de Nossa Senhora e de suas vestes, troca ou lavagem das toalhas do altar, substituição dos círios usados por novos, enfim, todo o trabalho necessário ao embelezamento do Santuário.
Na antevéspera da festa, voluntários se apresentavam para a limpeza da “ladeira da penitência”, varrendo as folhas secas que caíam da mata.
O coro do Convento ensaiava exaustivamente para se apresentar bem afinado na hora das missas e durante as novenas que antecediam o dia da padroeira.
Para não fugir à regra, as donas de casa procuravam ornamentar a cidade e para isso colocavam bonitas toalhas bordadas ou de rendas nos peitorais das janelas para provocar a admiração dos visitantes.
Durante meses moças e rapazes faziam economia para vestir uma roupa nova na comemoração da padroeira. Era uma antiga tradição da qual os moradores da cidade não abriam mão.
Assim era a festa da Penha nos últimos anos do século XIX e na primeira década do século XX. Um acontecimento singelo e bonito, impulsionado exclusivamente pela fé dos devotos na senhora do alvo mosteiro.
Mas nem sempre foi assim, com a simplicidade e a pureza que devem marcar os eventos cristãos.
Em meados do século XIX, sob o teto da casa dos romeiros, a pretexto de se comemorar o dia da padroeira, pessoas endinheiradas, mas inescrupulosas, transformavam o local em casa de banquetes e de tavolagem. Empanturravam-se de comidas e bebidas e em seguida varavam a noite em torno da roleta ou debruçados sobre as mesas de carteado.
Sem respeitar o terreno santo em que pisavam – sim, porque não eram devotos, eram festeiros profanos – nenhuma importância davam aos homens simples do povo que, na sua maioria, sem dinheiro para se alimentar, escalavam o morro com fome, mas com fé, cantando hinos de louvor a Deus e a Nossa Senhora da Penha.
Reformada no período de 1774 a 1777, a casa dos romeiros, como vimos, durante algum tempo teve sua finalidade deturpada. Foi parcialmente destruída por um vendaval em outubro de 1864. Assim terminaram as festas profanas e a jogatina.
Tal acontecimento deu origem à lenda segundo a qual aquele que reconstruísse a casa dos romeiros, estigmatizada por servir durante tantos anos a atividades profanas, logo morreria. Também os operários que trabalhassem nas obras de reconstrução seriam vítimas de acidentes. Padre José Ludwin, que a partir de 1916 foi o capelão do Convento, resolveu desafiar a lenda e em 1920 autorizou a reconstrução da casa dos romeiros, cuja ruína parcial prejudicava no todo a aparência do Convento. Desfez-se a lenda sem nenhuma conseqüência danosa.
Fonte: Internet Web Site: Morro do Moreno